A noite cai, chuvosa, sem perdão ou compaixão. De uns tempos pra cá, os dias andam meio esquisitos. Não entendo porque este calor fora de época e essa chuva que não cessa. Ainda assim é possível distinguir o verde-bandeira dos pés de milho, das outras plantações que se estendem ao Nordeste. O milharal que é castigado pelos enormes pingos de chuva é o mesmo que vai agradecer amanhã, quando o sol brilhar e a terra úmida esquentar. Então me vem à lembrança um trecho de um poema de Augusto dos Anjos que eu aprendi nos anos dourados do segundo grau.
"... toma um fósforo, acende teu cigarro.
O beijo amigo é a véspera do escarro,
a mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a todos causa pena ainda a tua chaga,
apedreja esta mão vil que te afaga
e escarra nessa boca que te beija".
Um pouco repugnante, eu sei, mas que de certa forma traduz em pensamentos e coloca ainda mais um ponto de incerteza em todas as inquisições da vida, do porque acontece desta ou daquela maneira: por que nos distanciamos tanto das outras pessoas e depois, sem ao menos perceber, sentimos sua falta. Será mesmo que a mão que afaga é a mesma que apedreja? Não sei, sinceramente não sei. E eu, que sempre tive uma resposta pra tudo, me vejo nessa encruzilhada, quando o lúpulo começa a fazer efeito e os minutos parecem ter menos segundos. Acredito até que isto não faz o menor sentido, é um farfalhar de ideias que não leva a lugar algum. Mas às vezes, essas inquisições são necessárias ou pelo menos reflexivas.
A estrada trilhada nos áureos tempos da mocidade e que dizia a frase "o futuro do Brasil", já não existe mais. Todas as dificuldades encontradas durante os três longos anos que passei lá, foram quase esquecidas. O colégio das Irmãs é agora apenas uma lembrança, marcada pelo casarão que só o vejo de longe, quando muito a uns dez metros de distância e recordo ainda o tempo passado nos corredores e salas do segundo andar; ou ainda no pátio, na "hora do recreio". E depois, de volta à sala, disciplina de quartel. Só faltavam as armas, porque os soldados de véu estavam ali. Mas não as culpo por isso, além das aulas de Matemática e Português - que eu tanto adorava - aprendemos o valor de uma amizade.
Ainda parecem meio ofuscados todos os momentos que jamais se repetirão, das brincadeiras, risos e sorrisos; dos sonhos de cada um, do futuro incerto da maioria. E até do limoeiro que ficava encostado ao muro, eu tenho recordação com um certo respeito. Não porque seus galhos tinham espinhos, mas porque serviu de apoio para pular o elevado muro, quando resolvemos desprezar a aula para assistir o filme do Rambo. E descobrimos cedo demais, logo no outro dia, o preço a ser pago por aquela aventura: um sermão da madre superiora de trinta minutos para todos da sala depois do término da aula e meio ponto de cada "atleta" que pulou o muro.
Queria, sinceramente, que aqueles anos nunca tivessem fim, mas a fila anda; crescemos em idade, ideias e ideais e estaremos sempre em constante mudança, sempre alimentando sonhos, recordando os bons tempos e esperando por uma estiada da chuva que continua a irrigar as plantações.