sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Crônica de uma saudade

A noite cai, chuvosa, sem perdão ou compaixão. De uns tempos pra cá, os dias andam meio esquisitos. Não entendo porque este calor fora de época e essa chuva que não cessa. Ainda assim é possível distinguir o verde-bandeira dos pés de milho, das outras plantações que se estendem ao Nordeste. O milharal que é castigado pelos enormes pingos de chuva é o mesmo que vai agradecer amanhã, quando o sol brilhar e a terra úmida esquentar. Então me vem à lembrança um trecho de um poema de Augusto dos Anjos que eu aprendi nos anos dourados do segundo grau.

"... toma um fósforo, acende teu cigarro.
O beijo amigo é a véspera do escarro,
a mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a todos causa pena ainda a tua chaga,
apedreja esta mão vil que te afaga
e escarra nessa boca que te beija".

Um pouco repugnante, eu sei, mas que de certa forma traduz em pensamentos e coloca ainda mais um ponto de incerteza em todas as inquisições da vida, do porque acontece desta ou daquela maneira: por que nos distanciamos tanto das outras pessoas e depois, sem ao menos perceber, sentimos sua falta. Será mesmo que a mão que afaga é a mesma que apedreja? Não sei, sinceramente não sei. E eu, que sempre tive uma resposta pra tudo, me vejo nessa encruzilhada, quando o lúpulo começa a fazer efeito e os minutos parecem ter menos segundos. Acredito até que isto não faz o menor sentido, é um farfalhar de ideias que não leva a lugar algum. Mas às vezes, essas inquisições são necessárias ou pelo menos reflexivas.

A estrada trilhada nos áureos tempos da mocidade e que dizia a frase "o futuro do Brasil", já não existe mais. Todas as dificuldades encontradas durante os três longos anos que passei lá, foram quase esquecidas. O colégio das Irmãs é agora apenas uma lembrança, marcada pelo casarão que só o vejo de longe, quando muito a uns dez metros de distância e recordo ainda o tempo passado nos corredores e salas do segundo andar; ou ainda no pátio, na "hora do recreio". E depois, de volta à sala, disciplina de quartel. Só faltavam as armas, porque os soldados de véu estavam ali. Mas não as culpo por isso, além das aulas de Matemática e Português - que eu tanto adorava - aprendemos o valor de uma amizade.

Ainda parecem meio ofuscados todos os momentos que jamais se repetirão, das brincadeiras, risos e sorrisos; dos sonhos de cada um, do futuro incerto da maioria. E até do limoeiro que ficava encostado ao muro, eu tenho recordação com um certo respeito. Não porque seus galhos tinham espinhos, mas porque serviu de apoio para pular o elevado muro, quando resolvemos desprezar a aula para assistir o filme do Rambo. E descobrimos cedo demais, logo no outro dia, o preço a ser pago por aquela aventura: um sermão da madre superiora de trinta minutos para todos da sala depois do término da aula e meio ponto de cada "atleta" que pulou o muro.

Queria, sinceramente, que aqueles anos nunca tivessem fim, mas a fila anda; crescemos em idade, ideias e ideais e estaremos sempre em constante mudança, sempre alimentando sonhos, recordando os bons tempos e esperando por uma estiada da chuva que continua a irrigar as plantações.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Origem do nome do blog

Noite de Estrelas é o texto que mais se identifica com o nome do blog. Embora escrito há algum tempo, por ser atemporal, ainda hoje traduz o que penso sobre a vida, os desencontros, as muitas faces de um mesmo ser.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Noite de Estrelas

Hoje é noite de estrelas e ainda não dormi. As eternas estrelas companheiras que mesmo com o céu nublado furam o bloqueio terrestre. Lançam um olhar à terra, à procura de alguém que as fite com a mesma intensidade. Pura ilusão. Impossível calcular a grandeza dessa obra. Por sorte, apenas contemplar o quanto é belo e extraordinário.

Antes disso, a caminho de casa, um pouco de nostalgia. Não estava triste, estava só. Uma saudade doída, rememorada pela visão de um dos amigos de infância. Queria saber o porquê de tantos desencontros, tantas amarguras. Os amigos, deixados de lado, por um enlace, uma troca de alianças. Os poucos amigos, amigos verdadeiros de todo dia, acabaram, assim como acaba o dia.

Há algum tempo era fácil os encontrar, quando todos se reuniam em casa, ou bares, antes de sair para a 'festa'. Gostosa juventude! Entradas falsas nas discotecas e danceterias e, todo mundo se divertia. Era alegre o jeito com que cada um se tratava, apesar dos muitos problemas. Quantos e quantos carimbos, bilhetes falsos não foram confeccionados! Inúmeros, perdido a conta. Na última noite, 64. Os seguranças das casas noturnas pegaram ao braço e apertaram, a frase firme: - temos que ter uma palavrinha contigo. Nervosismo! os bolsos lotados de apetrechos para a falsificação. Alguém delatou. A velha brincadeira: 'cela quatro pra ti'. Suor frio, mas consegui contornar a situação; nada demais aconteceu, só a dissolução da turma que nunca mais foi reunida, nunca mais.

Hoje ainda é possível encontrar algum deles por aí. Os bairros ainda são os mesmos, mas as discotecas não existem mais. E quando se encontra um, parece que o tempo passou em vão, passou por passar, como se não tivesse outra coisa pra se ocupar. Eles ainda sorriem das mais fúteis conversas, dão gargalhadas porque estão felizes ou por já estarem ébrios, dissolvidos em um assunto que poderia passar várias madrugadas, num toque de violão. Quanta coisa gostosa ficou daquele tempo.

Tempo em que tudo era fácil. Em que se acreditava somente no presente, sem a função estática dos tempos modernos. Tinha-se a nítida perseverança de que nada iria mudar, e, mudou. Só restaram as mágoas contidas em cada pensamento, em cada olhar. Tempo de 'loucura', pulando janelas, puxando cortinas e deitando-se ao assoalho, para a descoberta do prazer.

Hoje, o copo de conhaque à mão, herança das várias e longas madrugadas à frente do computador, com um termômetro quase negativo, digitando textos intermináveis, montando fotos, organizando matérias. Impressoras à laser, impressoras off-set. Quanto trabalho! Quatro horas depois, os jornais nas bancas. Oito horas mais tarde, servindo de tapetes para automóveis ou sendo enrolados em peixes. Estava concluído todo o ciclo vital do papel impresso.

Sair à rua hoje, somente para ver as estrelas, que continuam lá. Não mudaram ainda. Parece que elas fazem sintonia à minha calma e ao silêncio desta noite.